A poesia espiritual

O pai descobriu os melhores poetas portugueses contemporâneos. Enterrados entre uma data de asneirada e de basófia que faz parte da cultura do rap... As minhas tentativas de fazer a mãe ouvir a letra já as esgotei todas. Ela ouve a música pela música e eu agora descobri a música pela letra.

No meio das minhas crises existenciais permanentes e da música depressiva que por vezes me rodeia (Debussy mil vezes, Kings of Leon, God is an Astronaut) às vezes alguma ressoa. Começando no Slow J, passei às porcarias do Regula e do Holly fui parar ao Dillaz. Copo de balão podia ser eu. Podia ter sido a minha vida. Foi a vida de um bisavô meu.

A experiência que tive na sementeira e amanhos vários da primeira parte do que desejaríamos que fosse o vosso montado de sobro, faz-me lembrar muita coisa do "sonhar desta vida" e do "copo de balão". A minha mãe e tios carregavam água o dia inteiro para a ter em casa. A mina do meu avô. O estar a tratar árvores com facilmente uma centena de anos, como (pior) o meu avô e os seus antepassados trataram.

Estar encharcado com roupa cara a pensar que ele andava com panos cosidos, todos os dias, e chegava aquela casa sem água, sem electricidade, sem luz para se recompor. Ver as facas que ficaram na mesa de sala e pensar quanto corte aqueles gumes rombados fizeram. Ver o telhado feito de canas ainda em bom estado, Saber quantas propriedades mantinha e como terá sido possível criar tantos filhos quanto eu tenho só em agricultura de subsistência... Heróis!

Apesar de achar que o melhor haiku/haikai português ficará sempre a ser "um quarto, um parto, dar-te um lar, tirar-to". A vida numa linha. Apesar de achar que a frase mais adequada está no "sonhar nesta vida" do Dillaz. É o "copo de balão" que me encosta.

Posso ter largado a bebida incrivelmente cedo e de forma absolutamente resoluta e rígida, mas há traços de mim que com pequenas substituições no texto me envergonhariam cabalmente.

Quero ser o meu avô. O que deixou ao neto amadurecido a oportunidade de estender a obra de uma vida para os seus próprios netos. O que deixou eterna saudade pelo permanente e despreocupado riso desdentado que recordo. O que conseguiu. O que venceu as adversidades.

É a terra que vai unir a família. É a nossa terra que nos vale. Foi deitado a olhar para um incrível céu estrelado como há muito não via que percebi que quero que envelheçamos numa quinta cheia de netinhos a correr à nossa volta e eu a sorrir. Velho e desdentado.

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